Shakespeare adorava uma tragédia. Seus personagens sofrem no antes, no durante e no depois. Seus heróis não saem de cena vitoriosos. O fracasso, a dor e a vergonha são comuns a todos, seja você mocinho ou vilão.
Suas obras nos mostram que a maior tragédia humana é a incerteza do coração. Os maiores conflitos são internos. Uma luta intensa entre desejo, dever e capacidade.
Querer não é poder. Poder não é dever. E dever não é querer. Os dilemas da vida são escolhas entre pedra, papel e tesoura. Ganhamos de um lado, perdemos do outro. O que nos diferencia é como decidimos, como agimos e como lidamos com as consequências.
Tanto em Hamlet quanto em Macbeth, conhecemos as histórias de dois pretendentes ao trono. O primeiro é o príncipe da Dinamarca, o último é general do exército da Escócia. Dois homens com um “destino” em comum. Dois homens levados à mesma posição, à mesma vaga. Duas disputas pelo título de rei.
Hamlet é visitado pelo fantasma de seu pai.
Hamlet é movido pela obrigação. Seu sonho não é ser rei. Apesar de ter tudo aquilo que faz um bom líder. O príncipe é carismático, é bom lutador, é inteligente e querido pelo povo… Mas não almeja o trono, mesmo sabendo de todos os benefícios que acompanham a coroa real. Hamlet quer ser bom, antes de ser rei.
Hamlet começa a agir para tomar o trono de seu tio após descobrir que o atual rei foi quem matou seu pai. E as ações do príncipe são muito a contra-gosto. Hamlet não vê satisfação naquilo.
Seus pensamentos são conflitantes: será que minha vida só tem sentido por que eu sou útil nesta empreitada? Seria eu apenas um cumpridor de metas, embora não deseje nada disso no meu coração? É possível que meu único propósito seja me tornar um assassino, assim como meu tio?
Hamlet tinha todo direito, afinal era o herdeiro legítimo. Ele recebeu o dever de seu próprio pai, quem revelou a injustiça sofrida. Faltava a vontade. Sem o nosso querer, a mais preciosa coroa perde totalmente o brilho.
As Três Bruxas aguardam pela chegada de Macbeth e Banquo.
Macbeth por outro lado tinha ambição de sobra. O general escocês era famoso por suas vitórias em batalha, ganhando até mesmo um título de barão. Numa de suas viagens retornando da batalha, Macbeth é confrontado por três bruxas que trazem profecias de seus futuro. A última delas é de que ele se tornará rei.
A partir daí, seu coração é tomado pelo desejo. Assim como Hamlet, Macbeth parecia ter tudo o que precisava: poder militar, apoio do povo e agora uma profecia revelando seu “direito” ao trono. Macbeth tinha a oportunidade de ouro. Não poderia deixá-la para trás. Não poderia deixar “dinheiro na mesa”.
Ao chegar em casa, Macbeth e sua esposa tramam o assassinato do rei. Oferecem um banquete, embebedam todos e na calada da noite, o monarca é esfaqueado. O general consegue culpar dois soldados e naquele mesmo dia é feito rei da Escócia.
Enquanto Hamlet tinha muitos escrúpulos, Macbeth os tinha de menos. Poder e vontade transbordavam, porém seu erro foi abandonar seu dever em troca da ambição. Um general tem a missão de defender seu rei e seu país e alguém que não serve para essa responsabilidade, dificilmente serviria para uma maior ainda.
Os súditos, antes tão fiéis, passam a fugir de Macbeth, suspeitando de sua má índole. Os fantasmas de quem matou aparecem para assombrar sua casa, cobrando a dívida de sangue causada por ele. Sua esposa, cúmplice de seus crimes, enlouquece devido ao pavor de tudo o que fizeram. Ao fim, seus antigos amigos se tornam seus adversários, pois não reconhecem mais quem era aquele homem.
Macbeth é confrontado pelo fantasma de Banquo.
De toda forma, a tragédia persiste. Seja lucrando muito enquanto passamos por cima de tudo e todos, seja lutando para não seguir por um caminho mal. Shakespeare não nos deixou nenhum conforto, apenas tristeza?
A solução talvez esteja em encontrar propósito naquilo que fazemos. Nossos atos e também a nossa vida ganham sentido quando conciliamos o desejo, as habilidades e a responsabilidade num único propósito.
Hamlet conseguiu vencer seus receios e fortaleceu sua vontade ao entender que, ao cumprir seu dever, estaria reparando um mal, aliviando uma dor. Ele não seria um monstro assassino e sanguinário. Seria quem corrigiu um erro, impedindo que mais pessoas sofressem pela sua omissão.
Banquo, amigo de Macbeth também recebeu um profecia das bruxas: ele não seria rei, mas seus descendentes formariam a realeza. Em nenhum momento sua ganância superou sua moral. Banquo não mentiu, não traiu, não esfaqueou ninguém pelas costas. Ele se manteve fiel, exercendo bem o seu trabalho, pois encontrava propósito ali. Ao fim da obra, o filho de Banquo é coroado rei no lugar de Macbeth.
Entre Hamlet ( agindo apenas pela obrigação, incapaz de encontrar sentido nesta empreitada, embora seja bom no que faz) e Macbeth (ambicioso ao extremo, com desejos cada vez maiores, disposto a qualquer coisa pelo sucesso) , o quanto você realmente gosta do que faz hoje? E como tem conciliado isso com o seu propósito?